Em meio às manifestações populares realizadas em primeiro
de novembro, como a da Avenida Paulista, que pressionavam pela investigação do
escândalo da Petrobras e das suspeitas relativas ao processo eleitoral, foram
vistos alguns cartazes – notoriamente minoritários – clamando por uma
intervenção militar. Desde algum tempo antes, já circulavam na Internet
comentários em defesa de uma ação militar contra o Governo Federal como sendo
algo com total respaldo da nossa Constituição, evocando para isso o seu artigo
142. Parece clara a necessidade de colocar os "pingos nos is" e
entender até que ponto isso é verdade.
Definitivamente, podemos responder de antemão: em nenhum ponto. A possibilidade
de haver uma intervenção militar acionada mediante uma reivindicação popular
nas ruas, com amparo em nosso ordenamento jurídico, é nada mais que um mito.
Basta ler o tão proclamado artigo 142. Ele diz:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Diante do fato de que vivemos em uma democracia representativa, qualquer ação
militar precisa ser requisitada por um dos três "poderes
constitucionais", inspirados na velha teoria da separação dos poderes de
Montesquieu: Legislativo, Executivo ou Judiciário. Não é concebível imaginar
que, indo às ruas com cartazes, o povo possa, respaldado pela Lei Suprema do
país, convocar as Forças Armadas a derrubar a Presidente.
A Presidência da República, aliás, é apontada como a "autoridade
suprema" sob a qual as Forças Armadas se organizam. Isso não está aberto a
interpretações ou relativizações. Seria um contrassenso e uma completa quebra
de hierarquia uma intervenção dos militares para destituição de sua liderança
suprema. Uma das principais finalidades do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica é justamente garantir a estabilidade institucional dos três
poderes, o que inclui a manutenção do chefe do Executivo durante os 4 anos
previstos, em condições de normalidade, e não o contrário.
A única possibilidade de o presidente não concluir seu mandato por vias legais
é sendo destituído através de ferramentas previstas em nosso arcabouço
legislativo e que não passam em momento algum por nenhum tipo de intervenção
militar armada, como, por exemplo, o impeachment, previsto no artigo 85 da
Carta Magna e regulamentado pela lei 1.079/50.
Vale lembrar que, de acordo com o inciso 2º do artigo 15 da Lei Complementar nº
97, de 1999, "a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem,
por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com
as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os
instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio". Note-se: uma eventual "intervenção militar
constitucional" apenas se daria com a observância de diretrizes
estipuladas pelo Presidente – atualmente, não precisamos lembrar, Dilma
Rousseff.
O texto expressa ainda que essa eventual intervenção é excepcional, ou seja,
apenas pode ser aplicada após o esgotamento de todos os instrumentos
convencionais que se destinam exatamente à preservação da ordem pública. Quais
instrumentos são esses? A nossa Constituição fixa taxativamente, em seu artigo
144, que a segurança pública é dever do Estado e exercida para a preservação
dessa ordem e a integridade das pessoas e do patrimônio, por meio da polícia
federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, das policias
civis e militares e do corpo de bombeiros. Portanto, apenas se todas essas
forças estiverem esgotadas ou comprometidas, se poderia pensar na possibilidade
de uma ação militar constitucional.
O advogado constitucionalista Alexandre de Moraes, graduado em Direito pela USP
e doutor em Direito do Estado, faz uma oportuna afirmação:
"A multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova
Constituição, teve dupla finalidade: o atendimento aos reclamos sociais e a
redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança
interna".¹
Fica muito claro que a intervenção militar imaginada por algumas correntes
minoritárias que têm surgido em meio à recente revitalização de um movimento
liberal e conservador no país não possui qualquer embasamento constitucional.
Não existe a possibilidade de afirmar que nossa Constituição, estabelecendo as
conformações do Estado e a autoridade da Presidência, preveja, ela mesma, a
ideia de uma derrubada de suas bases pelas forças que devem sustentá-las. Todos
aqueles que clamam por tal coisa, de boa ou má-fé, estão pedindo, nada mais,
nada menos, que um golpe, e é preciso que isso fique muito claro.
Por maiores que sejam as irregularidades que enxerguemos nas atitudes do atual
governo brasileiro, por mais ansiosos que nos sintamos por deter seu ímpeto na
busca do poder pelo poder, ainda existem estruturas institucionais em
funcionamento no Brasil. Parece-nos que uma manifestação ou pressão popular que
clame pelo respeito a elas deve buscar uma mobilização dessas estruturas, e não
a derrocada definitiva das mesmas. Combater medidas autoritárias invocando um
autoritarismo golpista não parece ser o caminho – muito menos se encoberto por
falsas premissas, sendo a Constituição tão clara e objetiva a esse respeito.
Demonstrado isso, esperamos que nas próximas manifestações, já marcadas para 15
de novembro, essas propostas – que, frisamos, são minoritárias – não prosperem
em um movimento que se quer democrático, respeitando a ordem vigente no país.
Nesse sentido, subscrevemos a famosa frase do filósofo austríaco Karl Popper:
"Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os
intolerantes, senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria
atitude de tolerância".²
Referências bibliográfica
1. MORAES, Alexandre, Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.
767.
2. The Open Society and Its Enemies: The Spell of Plato, by Karl Raimund
Popper, Princeton University Press, 1971, ISBN 0-691-01968-1, pg.265.
*Diogo de Castro Ferreira é advogado, Graduado em Direito pelo Instituto Vianna
Júnior
**Pedro Henrique Ferreira e Silva é advogado, Graduado em Direito pela
Universidade Federal de Viçosa
Por Lucas Berlanza - Diogo de Castro Ferreira*, Pedro Henrique Ferreira** -
11/11/2014-institutoliberal.org.br/blog/intervencao-militar-constitucional-e-possivel-contexto-atual/
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